1. O que é a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda?
A Estimulação Cerebral Profunda é uma cirurgia realizada para melhorar os sintomas de pessoas que tenham Tremor Essencial, assim como em outras doenças neurológicas. A cirurgia consiste na colocação de eletrodos em uma pequena região do cérebro afetada pela doença. No Tremor Essencial, geralmente, o eletrodo é colocado, dos dois lados do cérebro, em uma região chamada núcleo ventralis intermedius do tálamo (VIM), uma pequena estrutura localizada na região central do cérebro. Esse ponto do cérebro está envolvido na nossa movimentação, em especial no controle da velocidade e da precisão dos movimentos. A Estimulação Cerebral Profunda tem a capacidade de modificar o funcionamento desse núcleo através de pequenos impulsos elétricos, restaurando o seu funcionamento e aliviando o tremor.
2. Do que é composto o sistema de Estimulação Cerebral Profunda?
O sistema de Estimulação Cerebral Profunda é composto por 3 partes principais:
1) o eletrodo de estimulação, que fica no interior do cérebro e é responsável por estimular o alvo determinado – representado pelos números 1 e 2 na figura abaixo. Esse eletrodo é extremamente pequeno, com 7-10mm de extensão, a depender da marca e do modelo.
2) o cabo de conexão, que conecta o eletrodo de estimulação à bateria, e se localiza embaixo da pele – representado pelo número 3 na figura abaixo.
3) a bateria que gera a energia para todo o sistema, funcionando como um marcapasso. Fica logo abaixo da pele, geralmente na região do peito – representada pelo número 4 na figura.
Fonte: Medtronic
3.Quais os tipos de eletrodos e de baterias existentes?
Os aparelhos de Estimulação Cerebral Profunda evoluíram muito nas últimas décadas, tanto os eletrodos que ficam dentro do crânio como a bateria que fica na região do tórax.
Em relação aos eletrodos, hoje temos dois tipos principais: os eletrodos anelares e os eletrodos direcionais:
- Nos eletrodos anelares, a corrente elétrica sai do eletrodo em todas as direções.
- Já nos eletrodos direcionais, existem três direções possíveis em que conseguimos manipular a corrente elétrica. Eletrodos direcionais permitem, em muitos casos, uma estimulação mais precisa, principalmente evitando efeitos colaterais.
Quanto à bateria, temos atualmente dois tipos principais: as baterias recarregáveis e as não-recarregáveis:
- As baterias não-recarregáveis têm, em média, um tamanho maior. Após a cirurgia, não é necessário nenhum cuidado especial com esse tipo de bateria por parte do paciente. Todavia, após cerca de 5 anos (tempo extremamente variável de acordo com a quantidade de energia utilizada), essa bateria precisa ser trocada. A troca de bateria é relativamente simples, feita com anestesia local. Neste momento, não é feita nenhuma incisão (corte) novo na cabeça do paciente, apenas na pele do tórax, onde está a bateria.
- As baterias recarregáveis têm, em média, um tamanho menor. Após a cirurgia, o paciente deverá fazer o carregamento periódico da bateria, como fazemos em aparelho celulares, por exemplo. Esse carregamento é feito de forma sem fio (portanto, não precisa de cortes ou furos na pele do paciente). É necessário encostar um aparelho na pele em cima da bateria e ficar por algum tempo com esse aparelho encostado. O paciente pode fazer outras atividades enquanto isso. A frequência de carregamento é muito variável e depende da quantidade de energia utilizada. Em média, é necessário recarregar a bateria a cada 7 dias. A duração desse tipo de bateria é muito maior, sendo necessária a troca, em média, após cerca de 20 anos.
É importante que o paciente, o Neurologista especialista em Distúrbios do Movimento e o Neurocirurgião funcional decidam, juntos, quais componentes da Estimulação Cerebral Profunda são mais indicados para cada caso. A decisão é tanto individualizada, quanto compartilhada.
4. Quem são as pessoas que podem se beneficiar da cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda para Tremor Essencial?
O Tremor Essencial é uma doença relativamente comum, acometendo cerca de 1% da população mundial (4,6% se considerarmos somente a população idosa – indivíduos com mais de 65 anos). Apesar de poder ser facilmente controlado em alguns casos, em outros pode ser bastante incapacitante.
O Tremor Essencial pode ser tratado com algumas medicações. Nesse caso, as drogas de primeira escolha são o Propranolol e a Primidona.
Para aqueles pacientes com tremor grave e refratário ao tratamento com remédios, existe a possibilidade do tratamento cirúrgico.
O tremor é considerado refratário quando não melhora o suficiente com ambos os medicamentos de primeira linha na maior dose tolerada, e, pelo menos, um remédio de segunda linha (Topiramato, Gabapentina, benzodiazepínicos, outros betabloqueadores, etc).
Por isso, é importante que, sempre que possível, o paciente faça o acompanhamento médico com Neurologista clínico especialista em Distúrbios do Movimento.
A cirurgia é indicada quando o tremor é grave e incapacitante, prejudicando as atividades do paciente, ou trazendo problemas sociais, e quando as expectativas quanto ao resultado do procedimento estejam alinhadas com a realidade.
Não existe uma idade limite para a indicação cirúrgica, mas algumas fontes excluem pacientes com mais de 75 anos. Como a doença é mais prevalente na população idosa, é importante levar em conta outras doenças que o paciente tenha para avaliação do risco cirúrgico. Também é importante a realização de uma Ressonância Magnética de crânio para avaliar a existência de lesões cerebrais. Outros fatores que impossibilitam a cirurgia são demência e doença psiquiátrica grave ou não controlada.
5. Qual a melhora esperada no Tremor Essencial com a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda?
Vários estudos científicos mostram que a Estimulação Cerebral Profunda em pessoas com Tremor Essencial é efetiva para o controle do tremor, e que esse benefício dura por vários anos após a cirurgia. Nos membros superiores (braços e mãos), a média de melhora chega a ser de 70% 12 meses após a cirurgia. Há uma variação nos estudos em relação ao tremor da cabeça, não havendo melhora em alguns, e chegando a apresentar benefício em 71% dos pacientes em outros estudos. A melhora esperada para o tremor vocal (de voz) tende a ser baixa, e, caso essa seja a principal queixa do paciente, devemos avaliar a indicação cirúrgica com cautela.
Ao longo do tempo, os efeitos da estimulação podem diminuir gradativamente. Acredita-se que essa perda de eficácia esteja principalmente relacionada à progressão da doença (considerada muito lenta, se comparada com doenças degenerativas). Outro fator que pode contribuir para essa diminuição de benefício é a tolerância à estimulação prolongada, observada em alguns pacientes. Existem, atualmente, várias estratégias de estimulação que têm como objetivo diminuir essa tolerância e prolongar o efeito benéfico.
Há uma melhora global entre 56-85% nos primeiro 5 a 6 anos após a cirurgia. Um estudo demonstrou queda da eficácia após cerca de 6 anos, se tornando inferior a 50%, mas ainda com melhora significativa se comparado com o tremor antes da cirurgia. Outros estudos demonstram eficácia em torno de 48% após 10 anos da cirurgia.
Todos esses dados nos dão a confiança de dizer que os benefícios obtidos com a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda em pessoas com Tremor Essencial são muito relevantes a longo prazo, mesmo uma década após a cirurgia.
6. Como é feita a cirurgia?
O paciente, em média, permanece internado por cerca de 3 a 4 dias. No dia da cirurgia, é realizado um exame de Tomografia do Crânio após ser colocado o aparelho de estereotaxia, que é um halo ao redor da cabeça, que ajudará o neurocirurgião a manter a cabeça do paciente estável durante todo o procedimento.
No centro cirúrgico é cortada parte do cabelo e é feita uma limpeza detalhada do local da cirurgia, para evitar infecção. A etapa de colocação dos eletrodos é realizada com o paciente acordado. Esse processo é fundamental, pois é necessário que o médico avalie o tremor durante a cirurgia, para garantir o posicionamento preciso dos eletrodos.
Todavia, apesar de estar consciente, o paciente fica anestesiado durante todo o procedimento, e não sente dor. Importante frisar, também, que o paciente não fica acordado durante toda a duração da cirurgia, mas durante uma pequena parte do tempo.
Durante a colocação do eletrodo no cérebro, o paciente é periodicamente orientado a esticar os braços, a realizar alguns movimentos, a repetir algumas frases, além outros testes simples. São colocados 2 eletrodos no total, um de cada lado do cérebro. O tempo total desse processo é em torno de 3 horas.
Após a colocação dos eletrodos, o neuroestimulador (semelhante a um marca-passo cardíaco) é implantado embaixo da pele logo abaixo da clavícula, em um dos lados da região peitoral, sendo necessária uma incisão de cerca de 7 cm. Nesse momento, o paciente estará sob anestesia geral (ou seja, o paciente estará dormindo). As conexões entre o gerador (marca-passo) e os eletrodos cerebrais são inseridas por baixo da pele com um trajeto por trás da orelha, parte lateral do pescoço, sem prejuízos estéticos, mas que podem ser palpáveis, sem causar dor.
Após a cirurgia, o paciente permanece cerca de 2 dias internado para observação e administração de antibióticos, recebendo alta a seguir.
7. Há riscos na cirurgia de estimulação cerebral profunda?
A cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda não é um tratamento novo ou experimental.
As primeiras cirurgias de Estimulação Cerebral Profunda começaram em 1987, e, nesses mais de 30 anos, avanços cirúrgicos foram feitos para melhorar a sua eficácia e reduzir os seus riscos. Mesmo assim, em alguns casos, podem ocorrer complicações, e o paciente e os familiares devem estar cientes delas.
Efeitos colaterais e riscos potenciais
- Muitos pacientes queixam-se de desconforto relacionado à fixação dos pinos (sob anestesia local) do aparelho estereotáctico) à cabeça. É um desconforto local, sem gravidade, e auto-limitado.
- Há um risco de 5% de infecção de couro cabeludo ou pele nos locais de manipulação cirúrgica. A chance de infecção e das membranas de envolvem o cérebro (meningites não contagiosas) é menor (cerca de 1%). Tais infecções são potencialmente tratáveis com antibióticos, mas sua ocorrência pode prolongar a internação.
- Como toda cirurgia na qual há anestesia, existe a possibilidade de complicação durante a anestesia local ou geral, como alergias não conhecidas ou reações imprevisíveis aos anestésicos de uso rotineiro.
- Em raros casos, podem acontecer disfunções neurológicas temporárias, como perda de força em um lado do corpo, alterações da fala, confusão mental e desorientação no tempo e espaço. Essas alterações geralmente melhoram sozinhas com o passar dos dias.
- lnchaço na face ou na testa relacionados à fixação do aparelho estereotáxico (halo) é comum (90% dos casos), mas melhora sozinho.
- Existe um risco baixo (0,9 a 2%) de hemorragia cerebral. Esse risco compreende tanto as hemorragias pequenas que não causam nenhum sintoma, como as maiores, que podem causar prejuízo parcial ou total de funções cerebrais como movimentação, fala e movimento dos olhos.
- O risco de morte relacionados a procedimentos similares é de 0,5%.
A cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda não é isenta de riscos. Claro que a chance de problemas diminui quanto maior a experiência da equipe profissional responsável. Em cada caso, a cirurgia deve ser discutida detalhadamente, pesando-se os riscos e os benefícios com o paciente, sua família e a equipe médica.
8. Cuidados e recomendações após a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda para Tremor Essencial
Cerca de 4 semanas após a cirurgia, o Neurologista Clínico especialista em Distúrbios do Movimento liga o aparelho de Estimulação Cerebral Profunda. Isso é feito usando um aparelho que é encostado em cima do local no qual foi implantada a bateria do paciente (geralmente embaixo da pele da região do peito). O aparelho programador se conecta de forma sem fio à bateria, e isso permite a regulagem do aparelho.
Não existe melhora após a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda sem a regulagem adequada do aparelho, e isso precisa ser feito corretamente e frequentemente por Neurologista Clínico especialista em Distúrbios do Movimento.
Encontrar a programação ideal para cada paciente é um processo lento e meticuloso. Para isso, o paciente precisa ir várias vezes em consulta médica. Nos primeiros meses após a cirurgia, isso é mais frequente (cerca de 1x/mês). Com o passar do tempo, é possível espaçar mais as consultas. Todavia, o paciente sempre precisará fazer ajustes no aparelho para manter o melhor efeito possível ao longo da vida.
Durante a programação do estimulador, podem surgir efeitos colaterais indesejados, como formigamento em membros, contrações musculares, dificuldade de fala, perda da coordenação e desequilíbrio. Com o a mudança da estimulação pelo médico, esses são totalmente revertidos. Esse é um dos motivos pelo qual o processo de ajuste da estimulação deve ser lento e gradual, além de ser feito apenas por profissional qualificado.
Com a melhora do tremor após a programação adequada do eletrodo, muitos pacientes podem diminuir as doses das medicações que tomavam para Tremor Essencial. Em alguns casos (mas não em todos!) o paciente pode até mesmo parar totalmente o uso das medicações para Tremor Essencial após a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda.
9. Convivendo com a Estimulação Cerebral Profunda
Procedimentos que podem ser feitos após a cirurgia:
- Uso de aparelhos elétricos (micro-ondas, celular, computador) – Cortar o cabelo (após cicatrização)
- Dirigir
- Utilizar transporte público
- Esportes (natação, fisioterapia, caminhada)
- Exames médicos (ecografia, radiografia, mamografia, tomografia). Os aparelhos mais modernos de Estimulação Cerebral Profunda permitem, também, a realização de Ressonância Magnética (necessário programação adequada antes)
Procedimentos que podem ser feitos com cautela após a cirurgia:
- Manipular aparelhos com imãs
- Passar em portas magnéticas de lojas
- Esportes com contato – usar proteção
- Andar de bicicleta – usar capacete
- Ressonância magnética (apenas com orientação da equipe)
Procedimentos que não podem ser feitos após a cirurgia:
- Passar em portas magnéticas mais “potentes”, como em aeroportos e bancos –
- Soldagem
- Bronzeamento artificial
- Esportes com muito contato
- Mergulho profundo
- Bisturi elétrico monopolar próximo a região do neuroestimulador
Fontes: Serviço de Distúrbios de Movimento do Hospital das Clínicas da USP; International Parkinson’s Disease and Movement Disorder Society