Mulheres com doença de Parkinson

Foi publicado este ano pela revista Movement Disorders um artigo sobre particularidades no diagnóstico, sintomas e evolução da doença de Parkinson em mulheres. Além do tema super relevante, chamou atenção que esse artigo foi escrito exclusivamente por mulheres, incluindo três diagnosticadas com doença de Parkinson.

Apesar de homens terem 1,4% maior chance de desenvolver doença de Parkinson se comparado a mulheres, o cuidado e a atenção dados a homens é desproporcionalmente maior. Além disso, não se sabe ao certo o motivo dessa maior chance em homens, e como os fatores hormonais podem de fato, influenciar a doença de Parkinson. A literatura médica, até o momento, falhou em estabelecer com certeza qual o papel do estrogênio no surgimento e na evolução da doença de Parkinson, fornecendo dados conflitantes sobre reposição hormonal e anticoncepcionais hormonais.

Talvez por causa dessa maior chance de doença de Parkinson em homens, por muitos anos, a “cara” da doença de Parkinson foi a de um homem idoso (e caucasiano). Apesar de recentes tentativas de mudar essa imagem, tentando incluir novos grupos, a imagem antiga ainda se encontra arraigada no subconsciente de muitos (Figura 1).

Figura 1: À esquerda, vemos a antiga imagem de uma pessoa com doença de Parkinson – um homem idoso. À direita, vemos uma nova imagem – uma mulher independente, mas já com complicações motoras, visto na torção do pé direito (destacada). Fonte: Armstrong (2020) JAMA Neurology. Time for a New Image of Parkinson Disease

Em média, mulheres demoram mais para receber o diagnóstico de doença de Parkinson, e também para serem encaminhadas a um especialista em Distúrbios do Movimento. Essa diferença é maior quanto pior o status socioeconômico daquela população. Os dados na população LGBTQ são ainda menos conhecidos. Existe um claro ciclo vicioso relacionado a essa discrepância: quanto menos a pessoa se sente ouvida e acolhida pelas instituições de saúde, menos ela vai contar sobre seus sintomas, e isso contribui para o atraso no diagnóstico e no tratamento de sintomas específicos ligados à doença de Parkinson. Por exemplo, mulheres com doença de Parkinson tem mais problemas urinários ligados ao assoalho pélvico (como incontinência urinária) do que mulheres sem doença de Parkinson. Todavia, as com doença de Parkinson tendem a se queixar menos desse problema, e, como consequência, não recebem o tratamento merecido.

Em relação aos sintomas motores da doença de Parkinson, mulheres costumam ter uma doença com evolução mais lenta, o que parece ser bom. Todavia, elas têm mais tremor, e uma maior propensão a apresentarem discinesias (movimentos involuntários que parecem uma dança). Em relação aos sintomas não motores, mulheres tem mais problemas genito-urinários e menos problemas gastrointestinais do que homens, além de ter menor incidência de demência e alucinações. Apesar de queixas sexuais parecerem ter menor incidência em mulheres, isso pode ser porque mulheres sente-se mais inibidas de trazer essas queixas voluntariamente, e são menos questionadas por médicos sobre isso.  Mulheres tem mais distúrbios de humor, como ansiedade, depressão, alterações do sono, fadiga e apatia. Dor, alterações na movimentação facial e síndrome das pernas inquietas também são mais comuns em mulheres do que em homens com doença de Parkinson. Portanto, apesar de terem uma doença com evolução mais branda, essas outras diferenças são responsáveis por uma pior qualidade de vida, pior estigma social e pior carga emocional em mulheres com doença de Parkinson, comparando com homens com o mesmo diagnóstico (Figura 2).

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Figura 2: comparação entre sintomas que mulheres com doença de Parkinson apresentam mais ou menos, quando comparados com homens com doença de Parkinson. Adaptada com tradução livre de Subramanian (2022) Movement Disorders. “Unmet Needs of Women Living with Parkinson’s Disease: Gaps and Controversies”

Em relação ao tratamento, o acesso à cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda (DBS – Deep Brain Stimulation, ou “marca-passo cerebral”) é um ótimo exemplo da disparidade de acesso entre homens e mulheres. Apesar de homens terem apenas 1,4x mais risco de desenvolver doença de Parkinson, mulheres tem uma maior chance de desenvolverem flutuações motoras e tremores, que são as principais indicações de DBS. Todavia, mulheres correspondem a apenas 25% das pessoas com Parkinson que recebem a terapia de DBS – uma terapia cara, mas fundamental para melhora de qualidade de vida em alguns casos. E, apesar de receberem menos DBS, mulheres, no final das contas, têm maior benefício na qualidade de vida após DBS que homens.

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O cuidado de mulheres com doença de Parkinson precisa, também, levar em consideração as flutuações hormonais e seu impacto nos sintomas. Por exemplo, é sabido que mulheres com doença de Parkinson podem ter uma piora dos sintomas da doença quando próximo do período menstrual, provavelmente por causa da queda abrupta nos níveis de estrogênio. Poucas pesquisas até hoje foram voltadas para melhorar essa questão. Da mesma forma, sintomas da doença de Parkinson também podem piorar durante a gestação, e no pós-parto. Considerando que 5% das mulheres com doença de Parkinson são diagnosticadas antes de 40 anos de idade, essa questão é de suma importância. Também é preciso levar em consideração a segurança das medicações para doença de Parkinson durante a gestação. Sabemos que a Levodopa é segura, mas Amantadina parece trazer riscos para o bebê. Todavia, também sofremos com a falta de atenção dada a esse tópico. Ainda nesse quesito, os sintomas da doença de Parkinson também podem piorar durante e menopausa. Existe muita confusão na literatura se há ou não há benefício da terapia de reposição hormonal para esse grupo de pessoas.

Outra questão é relacionada a diferenças entre funções e responsabilidades de homens e mulheres em nossa sociedade. Mulheres com doença de Parkinson, apesar de dificuldades motoras e não motoras, geralmente costumam permanecer como principais responsáveis pelos cuidados da casa e da família. Homens, por outro lado, aparentam ter pior habilidade em lidar com as limitações impostas pela doença em suas tarefas. Além disso, mulheres com doença de Parkinson têm menos tempo para cuidar de sua doença e de seu bem-estar, o que pode estar relacionado à maior carga de trabalho que elas precisam enfrentar, tanto dentro de casa como fora de casa.

Quando observamos a questão social, a diferença entre homens e mulheres também é clara:  mulheres tem menor suporte social, mais sofrimento psíquico, e pior impacto da doença na qualidade de vida se comparado com homens, mesmo nos estágios iniciais da doença de Parkinson. Quando a doença de Parkinson começa a afetar a independência, esposas são muito mais dispostas a cuidar de seus maridos do que o contrário. Como consequência, mulheres com doença de Parkinson recebem menos cuidado, tem o dobro de chance de ter um cuidador pago (ao invés de serem cuidadas por seus cônjuges), além de terem maior chance de serem institucionalizadas.

Até mesmo ensaios clínicos randomizados para doença de Parkinson, que são hoje a principal forma de evolução da ciência médica, são desproporcionalmente favoráveis aos homens. A demora no diagnóstico em mulheres, assim como o atraso no encaminhamento a centros de referência, pode contribuir para isso. Outra possível causa é a falta de tempo para consultas médicas regulares, por causa da carga extra de trabalho que geralmente acompanha as mulheres.

As discrepâncias, ainda hoje, no cuidado de homens e mulheres com doença de Parkinson, são gritantes. Tais diferenças são ainda mais intensas quando olhamos grupos mais vulneráveis do ponto de vista sociocultural. Mais estudos voltados ao bem-estar de mulheres com doença de Parkinson são necessários, e urgentes. Todavia, também são imprescindíveis mais cuidado e compaixão com essas mulheres – elas são muitas, e precisam de ajuda.

Texto escrito pela Dra. Carina França em 08 de Março de 2022

Fonte: Subramanian (2022) Movement Disorders. “Unmet Needs of Women Living with Parkinson’s Disease: Gaps and Controversies”