Toxina Botulínica não é apenas para estética: entenda seu uso em doenças neurológicas

Enxaqueca, distonias, sialorreia e espasticidade; doenças neurológicas podem ser tratadas com toxina botulínica, popularmente conhecida como Botox ® ️

mãos com luva laranja segurando um vidro de toxina botulínica
Além do seu uso em procedimentos estéticos, a Toxina Botulínica também é bastante usada em pacientes com doenças neurológicas. (Imagem: Reprodução/Pexels)

A Toxina Botulínica, muito conhecida como Botox ®, é uma proteína desenvolvida a partir da bactéria Clostridium botulinum, popularmente usada no rejuvenescimento facial. No entanto, o seu uso não se restringe a procedimentos estéticos.

Existem muitas doenças neurológicas tratadas com essa substância e, em alguns casos, ela é considerada o padrão-ouro de tratamento, ou seja, o melhor tratamento disponível até o momento.

Ficou curioso(a) para saber quais são essas doenças neurológicas que podem ser tratadas com a toxina botulínica? Continue a leitura!

Toxina botulínica em doenças neurológicas

Enxaqueca

A enxaqueca é uma das doenças neurológicas mais comuns, e seus sintomas podem ser tratados com toxina botulínica.

Muitas pessoas acreditam que a enxaqueca é sinônimo de dor de cabeça forte, mas não é bem assim. A doença é caracterizada por um tipo particular de dor de cabeça que tem seus mecanismos e tratamentos bem específicos, sendo necessário, assim, um diagnóstico preciso.

Essa dor de cabeça da enxaqueca é uma dor geralmente forte que pode acontecer só de um lado da cabeça ou dos dois lados, como em alguns pacientes. É uma dor que pulsa e lateja, podendo vir com outros sintomas, como:

  • incômodo em relação à luz;
  • incômodo em relação ao barulho; ou
  • enjoo.

O tempo que uma crise de enxaqueca pode durar varia de quatro a 72 horas. No entanto, quando a pessoa tem muitas crises durante a semana ou o mês, passamos a chamar essa enxaqueca de crônica

ilustração mostrando o cérebro de uma pessoa e ao lado o desenho maior de um cérebro com o foco em regiões de dor da enxaqueca
A dor de cabeça da enxaqueca geralmente é bem forte, podendo ocorrer de um lado ou dois da cabeça. (Imagem: brgfx/Freepik)

Nesses casos crônicos, geralmente o paciente precisa do tratamento preventivo, para diminuir o número de dias que ele tem dor ou diminuir a intensidade dessa dor. Nesse tratamento, o efeito acontece após cerca de 15 dias (podendo variar de paciente para paciente) e funciona muito bem para evitar o abuso de analgésicos. É aqui que a toxina botulínica entra como um excelente tratamento preventivo para esses casos.

Vale destacar que o protocolo de aplicação da toxina botulínica para enxaqueca é padronizado. Isso significa que deve ser feito em alguns pontos específicos na cabeça do paciente. Esse protocolo de administração chama-se PREEMPT, tendo sido validado em estudos científicos sérios. Por isso, não existe tratamento de toxina com outro protocolo além deste, que deve, de preferência, ser aplicado por um médico neurologista treinado. 

Distúrbios do movimento

Agora, falando um pouco mais sobre a minha área de especialidade que são os distúrbios do movimento, outra doença neurológica que pode ser tratada com toxina botulínica é a distonia.

Distonia é o nome que damos para um sintoma em que um ou mais músculos do corpo se contraem de forma involuntária e anormal. Esse é um sintoma que pode gerar posturas estranhas, tremor e até mesmo dor no paciente.

As distonias podem acometer apenas uma parte do corpo, chamada de distonia segmentar ou focal, ou atingir mais áreas, conhecida como generalizada. No entanto, as distonias focais são as mais comuns.

Um exemplo recorrente de distonia focal é a distonia cervical, popularmente chamada de “torcicolo”. Ela afeta a musculatura do pescoço e pode gerar alguma postura anormal, tremor e dor.

A postura ou o tremor de cada pessoa com distonia cervical é diferente, a depender de quais músculos do pescoço estão envolvidos no movimento. Chamamos as diferentes posturas cervicais de:

  • Torcicolo: rotação do pescoço para um dos lados;
  • Laterocolo: pescoço inclinado para um dos lados;
  • Retrocolo: cabeça para trás; ou
  • Anterocolo: cabeça para frente.

Em um mesmo paciente, todavia, pode haver uma combinação das posturas mencionadas acima. 

ilustração mostrando as posturas cervicais com o texto torcicolo, laterocolo, anterocolo e retrocolo
As diferentes posturas da distonia cervical são: torcicolo, laterocolo, anterocolo e retrocolo. (Imagem: Reprodução/Dystonia Network of Australia Inc.)

Outro tipo de distonia focal se chama blefaroespasmo. Ele acontece quando os músculos ao redor dos dois olhos se contraem sem que a pessoa queira, o que leva ao fechamento automático dos dois olhos, fazendo com que o paciente não consiga abri-los. 

Não é nem preciso dizer o quanto isso é debilitante porque, claro, de olhos fechados, a pessoa não consegue enxergar, fazendo com que a sua qualidade de vida seja prejudicada. 

No início, o blefaroespasmo pode começar como uma sensação de intolerância à luz ou irritação ocular, e mais adiante pode progredir para esse fechamento involuntário dos olhos. Caso, além do blefaroespasmo, o paciente também tenha contração involuntária dos músculos ao redor da boca e da bochecha, chamamos isso de Síndrome de Meige, um tipo de distonia segmentar.

ilustração de um olho humano fechado com alguns pontos azuis para representar o blefaroespasmo
O blefaroespasmo causa bastante desconforto e afeta a qualidade de vida do paciente. (Imagem: Merz/Pacific Movement Disorders Center)

O espasmo hemifacial é mais um tipo de distonia focal bastante comum. Nele, metade do rosto se contrai sozinho, levando ao fechamento de um dos olhos e à contração de um dos lados da boca. Isso pode ser muito incômodo ao paciente, porque tira a visão de um dos olhos, além de causar constrangimento.

Já na distonia oromandibular, os músculos envolvidos são os que fazem a abertura e o fechamento da mandíbula, podendo causar movimentos forçados da boca e até mesmo desvio lateral da mandíbula. Os sintomas costumam piorar após a fala ou mastigação.  

Mas não acaba por aqui. Há algumas distonias que acontecem só durante ações pontuais, sendo as chamadas distonias de tarefa específica.

O exemplo mais comum é a câimbra do escrivão, em que a pessoa tem a contração involuntária dos músculos da mão, normalmente quando vai escrever ou pensa em escrever. Ela está comumente ligada aos profissionais que treinam muitas vezes ao dia. 

ilustração mostrando os diferentes padrões da cãibra do escrivão
Padrões de cãibra do escrivão: (a) padrão flexor focal, (b) padrão flexor do punho e dos dedos, (c) padrão extensor focal, (d) padrão extensor do punho. (Imagem: Jacky Ganguly/Botulinum neurotoxin for writer’s cramp: A systematic review and illustrated guide)

Todas essas distonias focais e segmentares têm como tratamento padrão-ouro a aplicação de toxina botulínica, que precisa ser feita por um neurologista especialista em distúrbios do movimento

O neurologista bem treinado precisa saber exatamente quais são os músculos que estão afetados, e ele só vai conseguir essa informação examinando o paciente e, em alguns casos, pedindo exames complementares, como a eletroneuromiografia. 

Além disso, a aplicação da toxina botulínica precisa ser feita exclusivamente nos músculos afetados pela distonia. Se for injetada nos músculos errados, o paciente não terá a melhora do seu quadro e ainda poderá ter efeitos colaterais relacionados à fraqueza desses outros músculos que não estavam doentes. Para auxiliar na localização correta dos músculos, muitas vezes é utilizada a ultrassonografia durante a aplicação.

Por último, a dose da toxina botulínica precisa ser correta. Neurologistas treinados conhecem as doses mínimas e máximas de toxina para cada músculo do corpo — todavia, é impossível saber de antemão qual será a dose ideal para cada paciente.

Diante disso, o neurologista precisará, baseado em seus conhecimentos , “tatear” em cada paciente a dose correta, começando com uma dose baixa e aumentando nas aplicações seguintes, conforme haja necessidade, até que o melhor efeito seja encontrado. Dessa forma, nem sempre o paciente terá a máxima melhora logo após a primeira aplicação de toxina botulínica. 

ilustração mostrando o que o neurologista deve considerar na hora aplicar a toxina botulínica, inclui os seguintes textos: fatores importantes para o sucesso da aplicação da toxina botulínica, dose correta, músculos corretos e indicação correta
Em casos de distúrbios do movimento, a aplicação da toxina botulínica deve ser feita por um neurologista especialista. (Imagem: Carina França) 

Sialorreia ou excesso de salivação

A sialorreia, também conhecida como excesso de salivação, é uma alteração comum em muitas doenças neurológicas, e também pode ser tratada com a toxina botulínica.

Pessoas com doenças que alteram a deglutição, sendo o ato de engolir, podem acumular saliva, e essa saliva escorrer pelo canto da boca, causando desconforto. Isso pode ser visto, por exemplo, em pessoas com doença de Parkinson em fase avançada, em pacientes com Alzheimer, pessoas com sequelas do AVC, sequelas de traumatismo craniano, paralisia cerebral e entre muitas outras doenças neurológicas.

Em casos de sialorreia, a toxina botulínica é aplicada nas glândulas salivares, fazendo com que haja a diminuição da produção de saliva e, consequentemente, a diminuição do desconforto.

Mas, apesar da toxina ser usada no tratamento da condição, a sialorreia também pode indicar que o paciente tem problemas de deglutição e, por isso, o acompanhamento regular com o fonoaudiólogo se torna indispensável.

Espasticidade

Por último, mas não menos importante, temos a espasticidade, outro problema neurológico que pode ser tratado com a toxina botulínica.

A espasticidade acontece quando um membro do corpo do paciente vai ficando endurecido. Na maioria das vezes, esse endurecimento afeta um membro que já está fraco, como em casos de sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), de traumatismos cranianos ou de paralisia cerebral. 

Na espasticidade, a toxina se torna um valioso instrumento de tratamento para facilitar a movimentação daquele membro, a caminhada do paciente ou até mesmo a sua própria higiene.

A aplicação é, idealmente, feita por médicos fisiatras ou neurologistas com treinamento em espasticidade.

foto com dois frascos de toxina botulínica em cima de uma superfície
O nome mais conhecido da Toxina Botulínica é o Botox®, mas existem outras marcas no mercado usadas no tratamento de doenças neurológicas. (Imagem: Reprodução/Pexels)

Outras considerações sobre a toxina botulínica

É importante frisar que a toxina botulínica, exatamente por ser uma toxina, é gradualmente eliminada pelo corpo. Portanto, seus efeitos (sejam benéficos ou colaterais) duram um determinado tempo, que pode ser de 3 a 6 meses. Não há maneiras validadas para antecipar ou prolongar essa duração. 

Além disso, a maioria das toxinas botulínicas não pode ser aplicada com um intervalo menor do que 3 meses da última aplicação, pelo risco de o corpo criar anticorpos contra ela e acabar inviabilizando esse tratamento. 

Por último, existem casos de pacientes com doenças neurológicas que não têm o resultado esperado com a sua aplicação, já que ela, como qualquer tratamento médico, também está sujeita a falhas.

Essas falhas, felizmente, são raras, e nem sempre são totais —  na maioria das vezes, o paciente não melhora tudo aquilo que esperava/gostaria, mas tem, de fato, alguma melhora. Nesses casos, outros tratamentos podem ser explorados.
Em alguns casos de distonias, uma opção é aliar a aplicação de toxina botulínica à cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda, também conhecida como DBS (do inglês Deep Brain Stimulation) ou marca-passo cerebral.

Em vídeo: Toxina botulínica em doenças neurológicas

E aí quantas dessas doenças neurológicas você sabia que poderiam ser tratadas com a toxina botulínica? 

Vale relembrar que a marca que as pessoas mais conhecem é o Botox ® ️, mas existem muitas outras no mercado que são ótimas e podem ser usadas.

Se conhece alguém com alguma dessas doenças neurológicas, já compartilha este conteúdo com ela!

Leia também: DBS, Estimulação Cerebral Profunda ou marca-passo cerebral pode tratar distonia?

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